Adolescentes dizem preferir estudar em casa, mas pensam em universidade.
Família criou entidade para lutar por liberdade de decisão dos pais.
Na última semana, Cleber fez questão de apoiar o casal Leila Brum Ferrara e Philip Ferrara, da cidade do interior paulista Serra Negra, que também foi acusado de negligência pelo Ministério Público por educar as duas filhas em casa. Aproveitou para divulgar a entidade que criou para unir famílias que tomaram a mesma decisão, a Aliança Nacional para Proteção à Liberdade de Instruir e Aprender (Anplia). São cerca de 100 casais, segundo Cleber, que se unem para resistir ao que chama de “imposição do Estado”.
Cleber de Andrade Nunes e os filhos Jônatas, de 16 anos, e Davi, de 17 (Foto: Arquivo pessoal)
“O que está acontecendo em Serra Negra é uma inversão. O Estado quer que a família prove, como aconteceu no nosso caso, que está educando. Na realidade, é o Estado que tem que provar para nós que tem capacidade de educar nossos filhos. Diga-se de passagem não tem conseguido provar”, afirmou.
Segundo o Ministério Público de Timóteo (MG), onde a família morava, Cleber e Bernadeth cometeram infração administrativa, no âmbito cível, por terem descumprido o parágrafo 1 do artigo 1.634 do Código Civil (diz que compete aos pais, quando à pessoa dos filhos menores: dirigir-lhes a criação e educação). Além disso, foram contra os artigos 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que fala sobre o dever de educar os filhos, e 55, que obriga a matricular na escola. Por isso, foram condenados pela Justiça ao pagamento de multa no valor de seis salários mínimos cada um.
No Juizado Especial Criminal, segundo a Promotoria, foi instaurada ação penal pela prática do crime de abandono intelectual, segundo o artigo 246 do Código Penal. A decisão da Justiça foi de que deveriam pagar multa. No caso de Cleber, de dez dias-multa, no valor de um décimo do salário mínimo. Para Bernadeth, a multa é de dez dias-multa, no valor de um trigésimo do salário mínimo.
"Essa condenação expôs ao ridículo nosso sistema judiciário. O juiz blefou nos ameaçando de perder a guarda das crianças e de prisão. No final das contas, não poderia sentenciar a nenhuma das duas e sentenciou a multa e não fez absolutamente nada, porque pensou que íamos recuar”, afirmou Cleber.
"O estado não tem nenhuma moral para exigir dos pais que renunciem àquilo que podem fazer de melhor para se submeter a esse lixo que o estado oferece para as famílias"
Cleber de Andrade Nunes
Hoje, os filhos Jônatas Andrade Amorim Nunes, de 16 anos, e Davi Andrade Amorim Nunes, de 17 anos, estudam a possibilidade de frequentar o ensino superior. Os dois saíram da escola aos 10 anos, na 5ª série, e aos 11 anos, na 6ª série, respectivamente. Davi, que é programador e atualmente desenvolve um software comercial, disse que já decidiu que vai fazer universidade, só não sabe a área. “Para mim, na formação profissional, numa faculdade você garante um diploma, tem mais chance no mercado”, afirmou Davi. Ele diz ter certeza de que quer fazer aulas presenciais. “O estudo é mais direcionado. Os cursos são melhores. Não tem muitos cursos disponíveis a distância e os cursos presenciais são melhores”, disse.
Jônatas ainda tem dúvidas. Questiona se realmente precisa de um diploma para atuar na área de webdesign, que aprendeu pela internet e na qual já trabalha. “Fico naquela, passar cinco anos estudando, às vezes fazer cursos específicos seria mais proveitoso para mim”, disse Jônatas.
Atualmente os jovens aprendem em casa, com a orientação dos pais, fazem cursos via internet, assistem a vídeos com aulas e entram em contato com especialistas na área. “Para mim, é a melhor forma. A gente aprende o que é necessário mesmo, o que a gente gosta. Não é como na escola que precisa aprender um monte de coisa, que não sabe nem o que vai fazer com aquele monte de informação. A gente pega, gosta de uma coisa, aprende, corre atrás. O aprendizado fica mais gostoso, mais legal”, afirmou Jônatas.
Os jovens só poderão ter uma certificação de conclusão do ensino médio ao completarem 18 anos, uma das exigências do MEC para aqueles que fazem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em busca do certificado. Além disso, precisarão ter no mínimo 400 pontos na prova e 500 pontos na redação.
Jônatas e Davi dizem sair com os amigos à noite e nos finais de semana e praticam esportes. “Moramos em uma cidade pequena. Conheço quase todos os jovens da cidade. É normal. Pratico esportes, saio, vejo meus colegas à noite. Jogo bola, ando de skate. Não me senti prejudicado nessa área”, disse Jônatas.
Legislação
Para Cleber, apesar de a legislação brasileira não contemplar a educação domiciliar, conhecida como "homeschooling" em inglês e popular nos Estados Unidos, não é preciso qualquer alteração nas leis ou na Constituição para que ele e outros pais tenham o direito de ensinar os filhos na casa.
“Não precisamos de qualquer alteração. Se duas ordens são conflitantes, tem que prevalecer aquela que está acima. O artigo 26.3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos dá o direito aos pais de escolher o gênero de instrução dos filhos. Esses tratados têm força maior que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e derrubaria a obrigatoriedade (de matricular os filhos na escola, como afirma o artigo 55)”, disse.
Dois projetos de lei que tentavam legalizar a educação domiciliar foram arquivados em janeiro deste ano na Câmara dos Deputados.
Quando decidiu tirar os filhos da escola, Cleber disse ter analisado vários fatores: segurança, aprendizagem, a degradação do ambiente escolar, o ensino coletivo e os métodos pedagógicos. O designer afirmou que o fator financeiro não foi decisivo.
O designer defende a possibilidade de escolha dos pais de como educar os filhos. “Não acreditamos na educação coletiva, no professor ensinar uma turma de alunos. Acreditamos na educação como um processo em liberdade, na aprendizagem em liberdade. Nem sequer somos contra uma criança saia de casa e vá algum lugar aprender alguma coisa, ou uma escola ou um cursinho. Não se trata disso. O que é inaceitável é que uma criança seja obrigada a ficar confinada em uma sala de aula contra a própria vontade e a dos pais."
Pai professor, filhos em casa
Em Maringá, no Paraná, o professor Luiz Carlos Faria da Silva, de 54 anos, e a pedagoga Dayane Dalquana, de 36 anos, também decidiram educar os filhos em casa após experiências que consideraram ruins em uma escola particular e em outra pública. Lucas, hoje com 12 anos, frequentou a escola por cerca de dois anos, e Júlia, de 11 anos, frequentou por um ano, quando tinha 7 anos. Agora as crianças estudam em casa sob a orientação dos pais, aprendem matemática e inglês em escolas especializadas e praticam esportes.
Casal de Maringá (PR) defende que o ensino dos filhos seja feito em casa (Foto: Arquivo Pessoal)
O Ministério Público chegou a tentar obrigar o casal a rematricular os filhos na escola, mas depois mudou de ideia, segundo Luiz Carlos, que é professor de filosofia e história da educação na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Atualmente a Promotoria e a Justiça acompanham o desenvolvimento educacional das crianças por meio de provas semestrais feitas pelo Núcleo Regional de Educação e fazem avaliações psicológicas.Segundo o professor, a decisão de tirar os filhos da escola foi tomada por vários motivos. Além de se sentir insatisfeito com o ensino e com os valores passados pela escola e por outras crianças, o filho mais velho começou a relatar que era agredido por um colega. “Começamos a perceber que não adiantava cuidar em casa e mandar para a escola. Ficamos incomodados”, disse.
Luiz Carlos chegou a pedir uma investigação ao Ministério Público contra a escola por não terem tomado providências sobre o problema relatado pelo filho. O caso terminou em um termo de ajustamento de conduta entre a Promotoria e a escola. “A escola fazia coisas para tentar resolver das quais eu discordava. Achava que tinha que expulsar”, afirmou. Por sugestão do juiz, o casal matriculou as crianças em uma escola pública, mas mudou de ideia em 15 dias.
“Não dá para ficar. Tinha agressão à professora. Aluno que subia na mesa e baixava as calças. Professores com medo do aluno, porque tem essa história de passar a mão na cabeça”, disse. De acordo com o professor, a decisão foi dele e da mulher. “Não consulto filho para escolher escola, plano de saúde, se vou ficar casado. Converso muito com eles, mas não pergunto se querem ficar na escola ou não”, afirmou.
“Não dá para ficar. Tinha agressão à professora. Aluno que subia na mesa e baixava as calças. Professores com medo do aluno, porque tem essa história de passar a mão na cabeça"
professor Luiz Carlos Faria da Silva
Segundo o professor, no caso dele, o fato de ter experiência na área ajudou, mas famílias que não têm a mesma formação também podem fazer a mesma opção. “O pai pode assumir tudo, pode ainda ter metade (das aulas) em casa e metade fora. Pode contratar um professor ou se juntar com outros pais, alugar uma sala, fazer o currículo e dirigir os estudos do filho”, afirmou. Para Luiz Carlos, a decisão sobre a educação dos filhos deve ser dos pais e não do estado. “O estado não tem direito de interferir no tipo de educação que vai dar para o filho”, disse.
De acordo com o professor, a obrigatoriedade de matricular a criança na escola, que consta no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), vai contra a Constituição. “A Constituição fala que a educação é dever do estado e da família, mas não fala em obrigação de matricular.”
O professor cita ainda o fato de o país ser signatário da Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José, da Costa Rica). "O pacto diz que entre o estado e os pais a última palavra é a dos pais", disse. Segundo Luiz Carlos, uma emenda constitucional diz que pactos sancionados pelo Congresso têm prevalência sobre leis do país.
"A existência do procedimento significa que, a qualquer momento, dependendo da situação do momento, podem ser aplicadas as medidas de proteção, inclusive de encaminhamento a tratamento psicológico ou de matrícula obrigatória", afirmou o promotor da Infância e Juventude e Violência Doméstica de Maringá, Robertson Fonseca de Azevedo.
Para a promotoria, as crianças estão em situação de risco social por estarem fora da escola. "Elas estão em risco social na medida em que judô e balé não suprem a vivência que é da escola. Judô e balé é menos tempo, é professor e aluno direto, é um grupo pequeno. Na escola é que tem as turmas, os gêneros diferentes. A vivência da escola não é suprida por inglês, balé, esse contraturno que tem. Essa experiência que faz com que as crianças tenham essa educação alternativa que o pai impõe, como pai. Nunca falei com a mãe nesse caso. É o pai mesmo. Ele coloca o filho em uma potencial situação de risco que justifica a existência (da medida de proteção), não no entendimento de que há abandono intelectual, mas que há uma situação de risco, social, psicológico", disse o promotor.
1 comentários:
Não sabia que tinha um blog.... gostei muito dessa reportagem! Algo a se pensar....
Ass: Paula Lopes
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